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Anthony McCall/ Entrevista a Yann Beauvais
Yann Beauvais: Em alguns de seus primeiros filmes, como os produzidos depois de Line Describing a Cone (1973), Conical Solid (1974), (não me recordo se foi o caso de Partial Cone, 1974), o ritmo era diferente; mais rápido, utilizando alguns efeitos oscilantes. A rotação cruzada e fechada era como a projeção da cruz de Malta do projetor. Você não ficou satisfeito com o tipo de espaço, configurações das linhas que essas velocidades estavam transmitindo?
Anthony McCall: A forma em "Line Describing a Cone" é definida por uma membrana de luz que gradualmente traça a superfície exterior da forma cônica; Conical Solid (1974 – 10 minutos), feito um ano depois tentou descrever a mesma forma, mas de dentro. Isso se torna claro se lembrarmos do movimento final, o mais lento do filme. Uma única lâmina de luz plana e triangular leva cinco segundos para girar em torno do seu próprio eixo (o eixo flui das lentes do projetor até a parede). Durante aquela rotação a lâmina entra dentro de todo espaço interno de um cone volumétrico e imaginário. Se a lâmina de luz tivesse deixado um rastro atrás de si mesma ao girar, depois de cinco segundos nós teríamos criado em um espaço tridimensional um cone compacto de luz branca - não apenas nas superfícies exteriores, mas na forma inteira. Por isso o título “Conical Solid”. Claro que este cone não está presente em todos os instantes, apenas como um incremento e no plano mental. E a idéia que descrevi atinge um exercício completo por que o filme é composto por oito seqüências. Cada parte gira em velocidades diferentes, começando mais rápido e terminando lentamente. Para obter a ilusão de uma rotação suave precisamos de no mínimo 36 quadros (um segundo e meio). Mas eu começo com uma velocidade de rotação que é tão rápida que temos apenas quatro quadros para defini-la. Percebemos isso devido ao rápido movimento pulsante que você se refere. Gradualmente, a velocidade da rotação diminui e uma única forma se torna legível, mas isso só acontece nos últimos dois ou três movimentos. Dessa forma, o filme é produzido a partir do choque entre a idéia de um plano de rotação e as limitações dos vinte e quatro quadros por segundo da seqüência do filme.
O uso da cruz em Conical Solid reapareceu mais tarde em trabalhos utilizando configurações de linhas duplas, ou multiprojeções assim como em Doubling Back (2003) e Between You and I (2006); esses trabalhos são uma extensão de Long Film for Four Projectors e Four Projected Movements (1974)?
Apesar desses trabalhos, um mais recente que o outro, serem baseados em membranas de luz projetadas através de um espaço tridimensional, “Doubling Back” (2003) e “Between You and I” (2006) são um pouco diferentes dos filmes de luz sólida dos anos 70. Os primeiros trabalhos foram construídos a partir de uma única forma. Os mais recentes a partir de duas formas, uma atuando sob a outra. Por exemplo, “Line Describing a Cone” (1973) se origina de uma única linha circular, “Conical Solid” (1974) de uma única linha que sucessivamente muda de posição, e “Four Projected Movements” (1975) em uma única linha que gira lentamente 90 graus. “Long Film for Four Projectors” (1974) é construído a partir de uma linha única, inclinada e contínua que atravessa repetidamente o quadro. Mas as novas séries que comecei depois de uma pausa de vinte e cinco anos não são tão simples. “Doubling Back” (2003) é feito através de duas formas onduladas que se cruzam e assim criam um objeto mutante e irregular; e “Between You and I” (2006) tem como base duas formas diferentes (uma elipse e uma forma ondulada) que utilizando um artifício cinematográfico conhecido como “transição” são justapostas, criando mais uma vez um objeto irregular, um objeto novo e imprevisível. “Between You and I” é também profundamente diferente por que seu eixo não é horizontal; é uma forma vertical com 10 metros de altura, o projetor no alto projetando em direção ao chão.
Quando penso em Long Film for Ambient Light (1975) lembro de alguns trabalhos iniciais de Michael Asher onde a luz ambiente da galeria foi questionada. Você compartilha algum aspecto estético com ele? O texto que você escreveu em 75 nos informa o seguinte: “Não estou interessado em simplificar a execução para examinar certos fundamentos. Temporalidade, luz. Estou admitindo que é possível realizar sem utilizar um processo fotoquímico e eletromecânico habitual (pois há a desvantagem de ser caro, isto é, lento)”.
Conheci o trabalho de Michael Asher tardiamente e lamento por isso. Richard Serra foi a primeira pessoa que me falou sobre ele, creio que por volta de 1975, mas só alguns anos depois que conheci seu trabalho. Um artista muito interessante.
Você conhecia o trabalho de instalação de Paul Sharits? Você tinha alguma relação com ele? Essas duas perguntas surgiram por que tenho a impressão que existe alguma ligação entre os trabalhos, apesar das diferenças.
Encontrei Paul Sharits em meados dos anos 70, e antes disso conheci sua obra através das apresentações de seus filmes ao vivo em Nova Iorque. Não me recordo precisamente, mas acho que vi fotografias de suas instalações antes de realmente vivenciá-las. Provavelmente no catálogo de uma exposição solo escrito por Regina Cornwall. Eu e Paul participamos do Fórum Internacional de Filmes de Vanguarda em Edimburgo no ano de 1975 e estivemos juntos no Documenta 6 em 1977. Creio que este foi o primeiro Documenta a mostrar filmes e vídeos de vanguarda. Há indubitavelmente afinidades entre o meu trabalho e o dele; ambos buscam uma estética materialista redutiva e, como você observou, nós dois desenvolvemos ou nos movemos em torno da instalação, e isso foi antes da tecnologia (ou na verdade o contexto). No entanto, apesar daquelas instalações terem sido ampliadas no tempo, elas ainda necessitam da atenção integral e ao vivo dos projecionistas, fazendo deles parte da performance. Atualmente as projeções das instalações são essencialmente feitas por computador.
Em Miniature in Black and White, 1972, um trabalho opticamente desafiador, é possível sentir um aspecto de imersão. E apesar do formato reduzido, é um trabalho intenso. Estamos diante de uma situação onde o espectador visualiza uma seqüência de slides em preto e branco? Você estava trabalhando com um padrão específico em mente? Você já viu o trabalho do início ao fim, ou é como uma instalação em que você a captura quando está frente a frente?
“Miniature” foi concebido desde o princípio como uma instalação contínua, um objeto de uma sala, com uma estrutura temporal repetitiva, presumindo um espectador móvel que irá decidir por quanto tempo ficará na sala de exibição. O carrossel de projeção dos slides proporciona essa abordagem, com um magazine circular que pode projetar e reprojetar 81 slides dispostos neste magazine. Além disso, o carrossel foi projetado para ser usado em exposições: ele foi feito para operar 24 horas por dia sem superaquecimento. Era um equipamento pequeno e resistente. Vejo este trabalho delineando “Line Describing a Cone”, a tela pequena com suas imagens minúsculas de apenas 10 ou 15 centímetros a partir das lentes do projetor, e o espectador vendo aquela tela com o projetor logo atrás, observando as imagens feitas de luz branca. Na verdade, tudo que eu tinha a fazer para deixar a configuração próxima da configuração de “Line Describing a Cone” era remover aquela tela minúscula, deixando que o observador olhasse diretamente para o projetor. “Miniature in Black and White” foi concluído em 1972 e “Line Describing a Cone” foi feito no verão de 1973.
Outra coisa que me veio à mente é que em Line Describing a Cone (1973) e Long Film for Four Projectors (1974) há a presença de um mecanismo (o barulho que acontece na apresentação) que produz a vivacidade da obra no momento exato em que a estamos observando. Você não acha que está perdendo algo com isso em relação aos equipamentos digitais?
Quando comecei a produzir esses filmes novamente em 2002, utilizando recursos digitais, esse problema me preocupou. Você tem razão com relação ao som. O som rítmico do carrossel passando ruidosamente os slides, misturado ao som suave do ventilador do equipamento é realmente parte integrante de “Miniature in Black and White”. Da mesma forma, o chiado mecânico do projetor de 16 mm (ou projetores) cria um tipo de zumbido, uma atmosfera ambiente para a instalação. Isso produz um efeito importante, mascarando as vozes, e cria um tipo de acústica que dá privacidade ao observador. Projetores digitais e computadores são relativamente silenciosos. Mas nos anos 70, fazer filmes sem uma trilha sonora parecia uma representação óbvia; e era justamente por causa da ausência intencional de uma trilha sonora que os sons do equipamento estavam em primeiro plano. Atualmente, imagem e som coexistem dentro do meio digital e não há necessidade no momento de ‘excluir’ um deles. Então, o som para mim voltou a ser uma questão estética.
Miniature in Black and White foi feito no mesmo ano de Interface de Peter Campus, o qual insere o público dentro da obra, enquanto o seu filme coloca o nosso olho como um reflexo, porém o corpo inteiro como suporte.
Lembro-me da primeira vez que me deparei com as instalações de Peter Campus na Paula Cooper Gallery, no Soho, creio que em meados dos anos 70, ou talvez no final da década. A presença de apenas um projetor silenciosamente projetando uma imagem do seu rosto na parede, em uma sala quase escura e em tempo real, muito grande e talvez de cabeça para baixo (lembro-me de uma instalação desse tipo) criou uma nova possibilidade. Havia silêncio e recordo que gostei disso: o silêncio por si só separava-se do filme, que sempre levava consigo aquele zumbido mecânico, assim como geralmente uma duração limitada. Outra qualidade que separava o filme do vídeo é que eles eram vistos em contextos diferentes. Havia exceções, mas filmes eram vistos em locais de vanguarda e vídeos (Campus, Acconci) eram exibidos em galerias.
A questão da duração é importante, tanto quanto a perfeição, a continuidade das performances; quando se pensa em SoundStrip/FilmStrip e Long Film For Four Projectors (1974) percebe-se que é humanamente impossível superar trabalhos. É possível entender como funciona, mas não se pode experimentar a sua real dimensão. É realmente necessário experimentar suas reais dimensões? A questão da experiência é passada através de uma análise do processo, e induzindo a outros níveis de interação com outros trabalhos. A questão da duração enfatiza a idéia da localização do corpo dentro da obra, dentro do espaço onde o trabalho está se desenvolvendo. Você estava levando em consideração todos esses parâmetros quando estava realizando seu trabalho?
Durante os anos 70 gradualmente aumentei a duração das minhas performances com fogo e a duração dos meus filmes por que quis escapar das expectativas desse público agrupado. Fazer um filme com duração de cinco horas, o dia ou a noite toda; como grupo esse público não mais existiria. Aquele tipo de público foi substituído por indivíduos que chegavam e partiam quando quisessem, e que por si mesmos decidiriam seu tempo de permanência. Uma duração longa requer um tipo diferente de estrutura, uma estrutura não-narrativa, e foi quando achei que essa permuta seria uma ferramenta útil. Talvez “Long Film For Four Projectors” (1974) tenha sido o mais bem sucedido neste sentido. Pensei no espectador duplamente cercado: primeiro pela duração que era tão longa e que deveria durar mais que a atenção do espectador; e em segundo lugar pela disposição espacial da instalação; se você estivesse na sala, você estaria dentro do campo espacial do filme.
Outra conexão tem a ver com o traço das obras, antes e depois da criação. Como cineasta entendo o propósito da criação depois da realização de uma obra já que freqüentemente durante o processo criativo o que foi planejado sofre alterações, mas não acho que há um estímulo da sua parte de tornar esses desenhos obras, ou há?
O que quer que eles sejam penso nesses trabalhos como desenhos do início ao fim – mesmo, ou talvez especialmente, no momento da projeção. Há os desenhos preparatórios feitos por computador onde organizo uma idéia tridimensional, escultural, ou sigo a coerência da obra na forma de um story-board bidimensional; depois há os desenhos de instrução que preparo para o meu programador que se assemelham a esse traço – com esboço detalhado, medidas e esquemas de tempo. Depois recebo o programa de animação e passo às vezes meses projetando, mudando constantemente os inúmeros valores. Finalmente, depois que o trabalho está pronto, muitas vezes ele cria aspectos que eu não havia pensado ou observado antes. Gosto de fazer esses desenhos, pois eles exploram esses tipos de revelações.
A relação com a escultura e com a organização da imagem dentro do espaço é importante. Neste sentido podemos dizer que você ainda está fazendo filmes?
Essas obras atuam em uma área que inclui tanto o cinema quanto a escultura, talvez até a arquitetura. Sem escolher uma delas, mas sendo capaz de me mover em cada uma delas de diferentes maneiras e proporções, isso me dá uma grande liberdade. Posso dizer que ainda estou fazendo filmes, mas visto como uma representação isso irá bem mais longe.
Você sempre transporta o corpo em seu trabalho como a posição ou o tamanho da forma projetada? Em alguns de seus títulos (Between You and I) há uma certa negociação entre a obra e os espectadores, mas também entre um membro diferente do público compartilhando ou descobrindo a obra. É isso mesmo?
Acho que sim. Obviamente há a troca que acontece formalmente entre os elementos gráficos. Mas em seguida há uma troca entre o observador e a obra, e posteriormente entre o observador e eu. Depois, como você observou, há uma negociação entre os próprios espectadores, no momento em que eles se movem cuidadosamente no escuro; além de cada um tornar-se parte da experiência que os outros estão observando, o que efetivamente transforma suas ações em performances. Trabalhos como “Between You and I” e “Meeting You Halfway” sugerem essas diferentes relações.
O conceito de performance é importante em seu trabalho, seja nos filmes, desenhos, instalações, mas essa leitura é bem mais óbvia em trabalhos mais simples como Landscape for White Square, Earthwork, Line Describing a Cone (as duas versões), You and I... Eles parecem estar mais relacionados com a nossa compreensão do que está acontecendo, enquanto os outros trabalhos tomam outras direções, outras questões e contemplação, não produzindo um sentido sólido, mas também não se deparando com o caos, apenas flutuando neste meio, no limite da desordem e do processo. O sentido é mais importante que a repetição do ciclo de uma obra?
Estou interessado no que as pessoas descobrem nesses trabalhos. Considero que o sentido de uma obra é algo criado pelo espectador no seu engajamento com esse objeto formal, não o que eu deposito ali para ser descoberto. ‘Flutuando neste meio, no limite da desordem e do processo’ soa como um bom lugar para uma obra de arte!
Achei estimulante a relação entre Long Film for Ambient Light e o projeto da ponte, a questão do ciclo, dia, ano, nos conduz a essa impossibilidade de experimentar a obra em sua totalidade, mas ao mesmo tempo nos dá a possibilidade de experimentá-la em diferentes momentos. Temos uma experiência física fragmentada enquanto alcançamos uma experiência mais completa no plano conceitual.
Sim, instalações como “Long Film for Ambient Light” são estendidas por um período de tempo tão longo que ela deve durar mais que a atenção do espectador. Como resultado, o trabalho é vivenciado fisicamente como um tipo de fragmento ou amostra. Minha proposta para “Crossing the Hudson” foi transformar um quilômetro da ponte ferroviária Poughkeepsie partindo de uma armadura de ferro para uma estrutura de luz, pela iluminação gradual da ponte, começando pela margem esquerda do rio Hudson e se movendo até a margem direita. Levaria seis meses para a ponte sair da escuridão e ser completamente iluminada e mais seis meses para ela voltar à escuridão novamente e assim por diante, ad infinitum. Vejo neste trabalho de arte, pesado em escala, uma estrutura temporal de um ano de ciclos repetitivos, ‘embutido’ em um lugar. Para os que vivem na região, o entendimento dessa estrutura viria rapidamente; o prazer estaria em olhadas ocasionais daquela estrutura em momentos diferentes; diferentes estações e diferentes períodos da noite, sem mencionar (dado que a obra seria permanente) diferentes períodos de suas vidas. Com obras em espaços públicos há também a intrigante possibilidade de haver um espectador ‘acidental’, o que não acontece dentro de uma instituição onde o visitante sabe que está contemplando ‘arte’.
Em seus primeiros filmes (Earthwork, Landscape for Fire) o som está delineando o espaço, assim como as linhas em seus trabalhos mais recentes. Em todos as suas instalações com luz o som vem apenas do público, da sua interação e do ambiente. A ausência de som é um pré- requisito para vivenciar a obra? O som irá atrapalhar nossa percepção sobre a obra?
Eu achava que sim. Mas como falei anteriormente, excluir o som para manter a pureza, ou apenas o olhar ou a pureza do meio, agora me parece uma atitude arbitrária. E também não gosto dos supostos ambientes audiovisuais ‘imersos’ onde você se perde. Acredito num observador receptivo, mas consciente de si mesmo, um observador que pensa.
Em 1978 e 1979 você fez dois filmes com trilha sonora, dois trabalhos colaborativos: Argument e Sigmund Freud´s Dora, ambos tratando da produção de sentido. Era necessário para você naquela época investir em outras áreas fugindo da abstração de seus filmes? Em Argument a dimensão política está bastante presente, dimensão menos óbvia em trabalhos mais abstratos. Esses trabalhos estão comprometidos com a crítica do trabalho anterior que você realizou? Você poderia falar sobre essas questões?
Quando eu e Andrew Tyndall fizemos “Argument” parecia que tínhamos um problema urgente. O universo dos filmes de vanguarda foram interrompidos pelos meios de comunicação e pela política, o público era reduzido e composto na maioria por outros cineastas. Geralmente se faz um filme e o exibimos para outros cineastas com intuito de discuti-lo. Decidimos que começaríamos pelo nosso público (nós mesmos) e iniciaríamos um diálogo fazendo um filme sobre o problema. O projeto incluía não apenas o filme, mas também a publicação de um pequeno livro de críticas e discussões após cada exibição. “Sigmund Freud´s Dora” foi feito um ano depois de “Argument” com um grande grupo de colaboradores. De alguma forma, Dora foi o filme que obteve mais sucesso entre os dois, mais precisamente por que era do interesse de outros públicos: não apenas do público de filmes de vanguarda, mas também daqueles que se interessavam por filmes com temática feminista e que abordavam a psicanálise. Ele conseguiu sair dos limites estreitos da vanguarda, porém pagando o preço de se confinar na Academia! Dessa forma, não retornei às idéias desses projetos, mas nada está fora dos limites.
Julho 2011